sábado, 30 de outubro de 2010

parte dois



Abro os olhos. O sol cobria-me totalmente a visão e pouco deixava antever o dia que tinha à minha frente. Senti um mal estar numa das pernas que tinha ficado meio colada ao volante. A cabeça dóia-me de um modo não fulminante mas constante, demasiado constante. Nem me sentia ali. Nem sabia onde estava. Provavelmente perdido numa das entranhas do mundo que por vezes tanto gosta de me acolher, qual viajante desbragado em busca de paz interior.

E ao olhar para o banco de trás e ver as garrafas de alto teor alcóolico, bebidas brancas...pretas, castanhas, amarelas, de todas as cores. e meia dúzia de comprimidos que provavelmente me haviam deixado em êxtase, mas já meio esmaecidos com o embater do sol directamente naquelas cápsulas ali soltas ao desbarato.

Só tinha uma certeza: aquele carro era o meu. Mas não me conseguia consciencializar de como ali tinha chegado. Decido-me por retirar a perna da posição desconfortável, algo conseguido muito a custo, convivendo inclusivamente com a dormência daquela parte de meu corpo. Sento-me no lugar do condutor e é aí que sinto um arrepiar de espinha. Não daqueles que surgem em filmes de terror clichés, onde um arrepiar é o momento que desencadeia uma torrente de desgraças e mortes para seus protagonistas. Mas frio mesmo. Um tremer gélido de frio, pouco condizente com o sol que sabia existir. Estranha dicotomia de sentimentos meteorológicos divergentes. A menos que...

Que estivesse a olhar para longos mantos de neve. E que mal conseguisse abrir a porta do carro, condicionada por uma massa branca que começava a ficar demasiado espessa. e claro, tinha vestido um anoraque, umas botas, umas calças de bombazine que deviam ser quentes. E ao sair do carro vejo branco, vejo amarelo, vejo azul...mas mais nada. Três cores compunham o ambiente daquela paisagem bela e inerte. No entanto algumas cores pareciam também ali estar ao longe. Uns blocos verdes. Uns blocos amarelos. Vermelhos. Um bloco maior que parecia ser castanho. Uma cidade ali no meio do branco, pronta a salvar minha condição humana. ali sentia-me perdido ao ter acordado no meu carro. Mas uns metros à frente a salvação parecia surgir com meia dúzia de construções de betão a acalorar o meu caminho.

Olhei para o relógio. seis da manhã. Afinal a ressaca tinha chegado demasiado depressa. e a dor de esquecer começava a ser maior que a dor de cabeça do simples acordar naquele carro. Da perna. Dos olhos ao vislumbrarem o doirado do sol. E entre saberes, ao caminhar para perto da alma soube onde estava. Longe. Ali em cima estávamos demasiado longe para olhar para baixo. e eu para olhar para casa.


trilho sonoro: something corporate - i woke up in a ca

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