terça-feira, 28 de dezembro de 2010

parte dez.



Pouco tenho eu a dizer quando me vejo cá em cima. A luz que emana diariamente e que se esmaece durante a noite, não desaparecendo porém, está a captar as minhas faculdades mentais para um fascínio contemplativo, pouco condizente com a aparição de simples poesia. E este estado letárgico é uma espécie de auge zen que a minha existência se começa a habituar. como droga, esta rotina em ter o cérebro vazio de circunstancias, consome-me por dentro e torna-se eterno prazer.

Mesmo quando penso nela, nelas, nas perdas que fui tendo ao longo da minha jornada. Não vejo, não sinto, não ouço, apenas caminho pelos tufos brancos que são todo o cenário onde me insiro. Nada respeitante ao sol sufocante que tinha lá em baixo, na chuva terrena e pouco acolhedora, mas sobretudo nada condizente com a pressa de tantos anónimos corpos envolvidos numa redoma que de tão própria se torna impenetrável. E ao ver a minha sombra reflectida no gelado lago, vislumbro todas as sombras que esse lugar comporta. Nenhuma, nenhuma delas parece ser bonita.

Como o sorriso dela. e a sua face. e seus fantasiosos púlpitos, o pulsar da terra que tão forte e intenso soa quando aquela mulher se abeirava de mim. E o imaginário soa tão gigante quando sua face tocante e seus olhos de presa pura e imaculada surgiam defronte dos meus.

às vezes penso que todos estes apontamentos são escritos de modo demasiado aleatório, de maneira que a repetição de propostas seja esbatida naquilo que vou debitando. Mas sinto ao mesmo tempo que eu já estou demasiado vazio para pensar noutra coisa que não seja aquilo de que fugi: o passado.

E é esse passado que penso não ser próprio para já revelar, que me atormenta sempre que me deito, sempre que acordo para mais um dia de fuga ao que vivi outrora. Sempre que vejo os olhos da empregada da pizzaria, da hospedeira, até da mulher que me atende no banco. Ali vejo-a a ela e sei que algures ela me vê. Nem que seja enquanto sombra anónima que vagueia todos os dias no seu subconsciente. e mesmo que não seja sombra, posso ser apenas o sopro que seu respirar ecoa pelos lugares onde passa.

Sei que eu não passo lá. E escuro fico eu quando ela brilha. E foi nesse contraste cinzento que decidi queimar etapas e desvanecer antes dela ficar a pensar que eu de facto era real.

O medo é mais forte que a crença. E ganha a todos.

trilho sonoro: city and colour - confessions

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

parte nove.




È complicado falar de amor. Não é como se as palavras bastassem, ou mesmo os actos que se fazem em prol desse sentimento para tantos puro, belo, eterno, para outros negro, pérfido, mortífero. Simplesmente sente-se algo inexplicável por outrém, desejo incontrolável em querermos estar com determinada pessoa até ao fim de nossos dias pensamos nós. E esse desejo por um quase controle da vida de outro ser humano, pode de toda a forma carcomir nosso pensamento, ideias, personalidade. Não somos nós quando nosso coração bate com mais força. e muito menos somos nós a agir quando parecemos maiores que a vida.

Mais que isso: não o agarramos, não o apalpamos não sabemos o que consegue ser. è appenas uma dor que nos aflige, da qual procuramos cura no consolo em conseguir aquilo a que talvez nos tenhamos proposto: conquistar a mulher amada. Mas... e quando não é esse o propósito? Quando simplesmente nos acontece colocá-la em extremoso pedestal amando, sim amando, mas sofrendo também com a notória percepção que a impossibilidade é o que vemos como certo?

Fugimos. Saímos de onde estamos, do nosso corriqueiro espaço, de nossa familiar congregação e simplesmente deixamos o coração bater até que ele páre. Não morreremos, depressa virá outra mulher a quem nos podemos agarrar enquanto contrabalanço de nossos desesperos. E por mais que digamos que isso não irá acontecer, e que para toda a vida ficaremos racionais e gélidos, acabamos por nos contradizer mais depressa que caímos em paixão. Mais depressa achamos que a melhor mulher é sempre a próxima. a que surge quando desatentos estávamos nós a cortejar outros seres, a imaginar tempos infinitos com elas num qualquer lugar, onde simplesmente o mundo não interessasse mais. E, do nada, quando a chama se apaga, outro fogo começa em local que nunca tínhamos julgado possível.

A menos que fiquemos mesmo gélidos. E sintamos o poder do branco em nossas entranhas, rostos, corações, almas. E cada dia ao acordarmos vejamos crianças a correr pela neve com ingénuos sorrisos, como se o topo do mundo bastasse para a felicidade. Pessoas a quem o frio não afecta porque o sente como se fosse também deles. Ter orgulho na cidade que os viu nascer, ou surgir num qualquer dia que este mundo nos ofereceu. Quando nos sentimos frios o melhor é aquecermo-nos com quem está connosco. Nem que seja num sentido literal, longe das sinuosas metáforas que sempre percorri ao longo da vida.

O amor não é cura para nada. Mas de comichão irritante até doença mortal, tudo nesse patamar pode ser realizável. Assim queira nosso coração palpitante. Assim queira quem morre por ele.


trilho sonoro: mogwai - friend of the night