segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

parte quinze




nunca percebi a exteriorização de emoções, através de incautas palavras, emanadas pelo cérebro. nunca tinha entendido a necessidade de registar meus passos, minhas acções, meus tropeços e obsessões em imaculado papel, pronto a ser escarafunchado por quem de direito. e como achava que não tinha argumentos suficientes para poder empolgar quem quer que fosse nas minhas memórias diárias, decidi sempre ficar afastado de papel e caneta. até que matei.

o percurso não foi fácil: era tarde, estava frio, o tempo não era de todo o mais amigável. a chuva não caía, mas a forte humidade fazia questão de nos querer em casa. e naquele fim de semana era o que devia ter feito. o problema é que a vontade humana muito dificilmente prevê tragédias, já que está focada e concentrada naquilo que ela e só ela pode fazer. daí que me decidi a sair de casa, a pegar no carro, a ir à praia ter com quem acidamente me chamara.

a viagem foi curta. o diálogo também. as emoções acumuladas, sentidas directamente na pele, fizeram o resto. os tiros ecoaram e foram rápidos a matar. porque quando se morre não se consegue pensar em nada. não há tempo. um tiro actua rapidamente e não deixa espaço a reflexões que devem somente ser feitas, antes de se morrer. não, não conseguimos gravar um resumo mentalmente e passar uma onda de "greatest hits" segundos antes do nosso coração parar. a morte não tem de ser dolorosa, e sobretudo não tem de ter o teor melodramático tantas vezes perpetrado pelos vivos que, no fundo não maldizem a morte, mas sim a perda. a única coisa verdadeiramente genuína e palpável na morte, é o seu carácter permanente. tudo o resto são conjecturas de quem quer intelectualizar tudo, para dar mais importância à sua própria vida.

perguntam-se como consegui não é? como é que alguém pode tecer tanta consideração sobre algo que não...viveu? não sei se "viveu" será o termo mais adequado, no entanto deixem-me ser incongruente, que também mereço. o tiro que dei foi fulminante o suficiente para ter toda a legitimidade do mundo comigo. o sangue derramado naquele manto branco, o cadáver exposto para que algum esquimó o encontre daqui a uns anos. aquele sou eu. e quem escreveu até hoje também fui eu. talvez porque a morte não tenha sido o escape fundamental para começar a tecer comentários sobre o que vivi. pelo menos a minha.

e aquela praia onde tal corpo ficou, dista muitos quilómetros de barrow. aqui estou no topo. e sou imortal.

trilho sonoro: rival schools - undercovers on

sábado, 22 de outubro de 2011

parte catorze




tanto calor que nem parecia agosto. todas as pessoas com roupa diminuta, exibindo sorrisos mágicos enquanto o sol ia iluminando seus cabelos. tal amigável temperatura era cerne imediato de amenas e alegres discussões sobre quanto tempo teriam aqueles sonhadores quinze graus.

era o único a andar de kispo naquele dia. o único. enquanto me imaginava nas praias perto de mim, mas que agora estão demasiado longe do meu ângulo de visão. a neve que derretia e se tornava estranha argamassa, o gelo que ia amenizando em textura, eram as areias simpáticas em que todos se estendiam, pois tudo o resto era matéria meio putrefacta, embora tudo fosse projecção natural.

nessa não artificialidade todos tomavam banhos de sol. casais discutiam limitações de toalhas. outros jogavam com bolas de plástico enquanto refrescavam os pés na pouco saudável água. era o meu primeiro, e talvez único, dia de genuíno verão. e, tendo em conta o pouco tempo que tinha da cidade, achei que talvez pudessem haver mais dias assim.

houve alguns. mas naquele genuinamente sorri, porque me senti em casa. não por estar naquele universo, onde a ficha com o mundo nunca sequer foi conectada. não por ficar absorto perante a vista resplandecente do sol a doirar o mar. nem sequer por algumas esquimós mais interessantes, que usavam o bikini que nunca podiam ter usado na vida.

sentia-me verdadeiramente perto de casa. o meu coração tinha a minha praia lá dentro, o sol que brilha no mar, as simpáticas donzelas com trajes curtos ou mesmo um mais atrevido topless. tudo isso era meu reflexo existencial daquele domingo. e foi isso que talvez me tenha deixado viver ali durante tanto tempo. porque, apesar de não poder voltar a casa, tinha naquele dia, voltado lá. talvez para sempre.

trilho sonoro: the promise ring - emergency, emergency

terça-feira, 6 de setembro de 2011

parte treze



Quando tudo era sozinho. e eu não era mais que um cobertor putrefacto, abandonado num qualquer canto do mundo, à espera que numa rajada de vento, tudo ficasse com vista imaculada sobre mim. os tempos em que a esperança reinava que esse dia pudesse chegar, vão mais distantes do que a minha memória se consegue exactamente lembrar. no entanto há alturas que uso minha mente para navegar no passado, enquanto olho para todos estes esquimós, ocupados em viver as suas vidas, como se fosse possível andar de fato cinzento e gravata aqui em cima.

a verdade é que o passado agride toda a gente, porque permite viajar em pedaços sensoriais tanto belos e prazeirosos, como frios, pantanosos absolutamente indignos de vida humana. e todos nós temos lama. todos temos esterco no qual por vezes chafurdamos, para chegar à verdade que queremos obter. que até pode ser mentira.

sim, nós somos de tal forma estranhos, que nunca nos pusemos realmente a pensar sobre se as outras espécies não nos olham com desdém, desprezo e até jocosidade. podemos ser as armas de gargalhada das formigas ou das minhocas. os pássaros podem atirar merda para o nosso mundo enquanto voam, simplesmente porque apostaram com um pássaro amigo, que eram capazes de acertar na cabeça de um tipo qualquer.


todas as espécies têm particularidades,umas de excelência e honradez, outras de negritude e cinismo. e enquanto tudo vive consoante os seus esquemas, todos têm medo de ser coisas diferentes. a mudança não nos está tão subentendida quanto tanta gente quer fazer parecer.

é curioso pensar nisto enquanto olho para a lareira e como uma maçã, cujo sabor se mantém inalterável ao longo dos tempos. e enquanto mantenho o meu cobertor sujo e podre a cobrir-me, como se fosse a primeira vez que o estivesse a experimentar.

sim o homem faz-se de hábitos. eu fiz-me de medos que não consigo largar.

trilho sonoro: blind melon - change

segunda-feira, 18 de julho de 2011

parte doze

Por vezes torno-me combatente. Em regras que sigo, sem olhar sequer para futuras consequências. Suaves onanismos mentais, aos quais me entrego sem me submeter a irracional por um segundo. Ou, pelo menos, quero pensar que a minha sanidade é real dentro da minha própria guerra.

Lutas. combates, mortes, baixas, políticas extremas que nos peseguem.ajudas que não surgem, amigos que não existem, aliados traidores.Fúteis arquétipos para escamotear o que sou: um vagabundo do mundo e do tempo, com tudo aquilo que fiz e vi fazer.

E em tanto branco que vejo, está uma verdade escondida mas presente. Acabei. O ciclo terminou, e a melhor forma que encontrei para compreender esse percurso, foi inventar sensações que vejo nos outros. Nesse esboço de sombra encontro o suficiente para meu coração se pacificar.

Quanto mais conforto tenho naquilo que nunca conquistei, mais estremeço de contentamento. Ao engolir as palavras dos outros e tomá-las como minhas. Um tormento extremo de mortíferos tufões, que se aprouvam, com um sorriso do meu corpo. E foi assim mesmo que vivi. estação terminal do que não consegui aguentar.

O fim do mundo chegou. E eu só ouço fogos de artifício.

trilho sonoro: (southland tales) the killers - what i've done




terça-feira, 8 de março de 2011

parte onze




Entediamentos anuais. Viagens sem nexo, com idas e voltas constantes a pairar na mesma linha. Linha, rota rumo sem utilidade. Para quê enervar o mundo quando para ele podemos ser tão protectores? Quando podemos retirar o que de melhor ele tem e nós, nós mesmos, podemos criar novos e harmoniosos caminhos, para continuar a mesma odisseia. Juntos. Nós e o mundo.

  Mesmo que sejam apenas 5 dias. mesmo que o rumo da festa seja tão efémero como fósforo em cinza. mesmo que vivamos e morramos em tempo tão curto. Somos nós. E nós seremos sempre quem soube pacificar a nossa relação. Porque chuvas e temores terrenos teremos sempre. Porque o negro surge sempre quando acabou de lá estar o claro. E porque a bipolarização não é connosco.

 Mas o que é, é sabermos ser completos. E manifestarmo-nos exemplarmente em todas as categorias. Diálogos. Amizades. Amores. Horrores. Sentimentos. Festas. è ouvirmos os reflexos condicionados que temos cá dentro. E partir.

 è o manto branco que me cobra. e são as memórias do efémero que ainda me fazem viver.