quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

parte dezasseis





Já sinto o cheiro. No meio do nevoeiro bruto em que está engalfinhado o avião que saíu de fairbanks, há algo ali dentro que me faz sentir longe. Não é só pela consequência geográfica: há outro ar. Outra atmosfera. Outra vida à minha espera, de preferência ainda mais vazia que a anterior. Senão for assim, nem valia a pena ter embarcado.

Não faço ideia do que vou encontrar. Nunca fui a barrow, e apesar das exaustivas pesquisas que fui fazendo ao longo deste último ano, nada se pode assemelhar ao que encontrarei na chegada. Mesmo que seja só uma data de gelo com meia dúzia de casas por ele coberta. Qualquer coisa que encontre é o paraíso, porque estou finalmente longe da minha vida.longe de mim. e estar longe de mim é o melhor que posso almejar enquanto viver.

Não vou confessar o que fiz. Não vale a pena. Se alguém descobrir um dia, tudo bem, mas não foi por isso que fugi. Sou um tipo simples, mas não simples o suficiente para fugir tendo um motivo óbvio. Mas é incrível perceber quão fácil era ficar.

Bastava um jantar. Num sítio diferente. Luz de velas. Talvez na praia, uma mesa de madeira, toalha aos quadrados, duas velas, uma passadeira vermelha do carro até ali. alugava um carro com um preço pouco razoável, para dar nas vistas. Pagava a alguém que me pusesse uma mesa, e arranjasse uma merda qualquer que aquecesse comida. Punha o carro a dar um som paneleiro, daqueles que encontramos numa rfm ou numa rádio comercial, com uma tipa qualquer com uma granda voz a cantar uma música de merda.

Esta fórmula funcionava. A seguir dava-lhe a mão, encaminhava-a à mesa. e começava a discorrer palavras certeiras só para a fazer sentir especial. Isso é o mais importante. Se lhe dissesse que aquilo que eu faço mal me levanto, é ir ouvir a música que começámos a dançar ao som de um tipo na baixa que estava a arranhá-la com três cordas e um cão malcheiroso. Se lhe dissesse que me habituei a não pôr sal nas batatas porque ela nunca põe sal em nada. Se lhe contasse ao ouvido, que à pala dela dou três voltas a casa antes de sair, com medo de ter deixado alguma luz acesa.

E se, com um sorriso lhe afirmasse que a melhor parte do meu dia é quando acordo e estou de olhos fechados,na esperança de a ter como primeira imagem matinal: a tirar as remelas, a mandar um bocejo e a virar-se para o outro lado da cama. qualquer coisa, qualquer sinal físico da presença dela era magia que me fazia simplesmente agradecer aos céus por viver. Estas palavras ditas neste ambiente funcionavam. Porque a faziam sentir especial. Ùnica.

Era só dizer-lhe a seguir que agora sim tinha percebido o que havia perdido. e que todos aqueles momentos de tão simples que foram, fizeram todo o sentido e ainda fazem parte da minha vida. Que não ultrapassei aquela página, e que quero com ela continuar a escrever a melhor história de amor do mundo: a nossa.

Preferi ir para um sítio onde vou rapar frio todo o ano e não conheço ninguém. Faz todo o sentido. Parecia demasiado simples conseguir fazê-la sentir a mulher mais desejada do mundo. Por mais verdade que isso fosse.


Mas manipular é feio. E o frio são os meus chicotes.

trio sonoro: mogwai - friend of the night

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