sexta-feira, 5 de novembro de 2010

parte cinco





Porque alguém tem de perder. E no meio de batalhas tamanhas, ou pequenos entraves na vida alguém terá de ficar para trás. Mal ou bem, o comboio que gira em torno de nós saberá despejar passageiros a seu bel-prazer quando assim terá de ser. O pior é que tantas vezes podemos reflectir se vale a pena entrar, jogar o jogo, mantermo-nos em competição seja lá pelo que for. e aí sim temos a nossa irracionalidade equiparada a estupidez pura. De tantas tantas vezes que o melhor seria simplesmente desistir em vez de fazer figura de corpo presente. A figuração não é um posto, será necessária certo, mas não é um estado de alma que sirva para nos aquecer em dias invernais, para nos confortar quando temos medo.

E se não soubermos vestir outra coisa ficaremos almas cinzentas. Sedentários puros sem ambição, vontade ou simples argúcia para nos provarmos. Não valerá a pena? De tantas vezes que nos ouvimos e que pensamos que desta sim, esta será a vez em que vamos ganhar por variadas razões que só nós é que soubemos ouvir. e interpretámos somente aquilo que quisemos achar verdadeiro. Tantas mentiras que nos passam pela cabeça só para nos omitir de uma simples verdade: alguém tem de perder. Ninguém gosta de receber tamanha notícia pois não? Mas o melhor é acomodarmo-nos. Saír do comboio voluntariamente e simplesmente ficar na primeira estação que nos aprouver. e aí sentir a natureza, o pulsar vibrante do mundo para enterrarmos os males do coração.

Eu não via estações, não quis sair. e assim fui atirado cá para cima. A roupa só me serve porque o meu estado de alma é um coração gélido como a temperatura a que me quis sujeitar. E todo o percurso que até aqui produzi foi uma cronologia errante de falsas expectativas. Era isto que sentia ao ver-me por cima das nuvens enquanto uma melancólica música me soava aos ouvidos. e era assim que aquele anoraque que não tinha tirado quando embarquei me servia enquanto manto de auto-flagelação que, não me fazendo confortável, fazia justiça por perceber meu merecido sofrimento.

Enquanto não chegava a newark desenhava rostos das mulheres que ao longo de todo o tempo tinha perdido. e sabia que elas, todas elas, jamais poderiam ter sido alvo de meus afectos pela óbvia razão de que, enquanto me movia, mais 20 almas a querer o mesmo tentavam subir a pirâmide. Eu sem fôlego, no quarto degrau já estava demasiado ofegante para poder continuar. O problema é que quanto mais parava mais a parecia ver perto, e isso era um estímulo que tinha simplesmente para não querer continuar a subir. a ironia era que agora estava a ser empurrado para o topo do mundo, lugar inatingível para a maioria dos homens, de condições difíceis para quem lá habita, confronto de duros e ricos de espírito. eu assim não era.

Mas não encontrava melhor forma de me martirizar que enfrentar todos os perigos que podia, sem sair desiludido com o que encontrasse. Afinal queria o meu coração mais frio e seco que as polares temperaturas que encontraria em barrow. e queria-o longe de alguém que lhe fizesse calor. Para isso já chegava o anoraque que insistentemente tinha colocado para compreender a artificialidade de minhas motivações.

Alguém tem de perder. Eu decidi fugir.


trilho sonoro: tiago bettencourt e mantha - o jogo

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