domingo, 14 de novembro de 2010

parte seis





Depois de ter ido à pizzaria voltei para casa. O meu simples tecto, outrora ocupado por um casal itinerante que havia vazado aquele lugar dois meses depois de me ter instalado, estava mais acolhedor que nunca. Tinha deixado a lareira acesa, já para me preparar para a noite que prometia fustigar novamente cada um dos habitantes da cidade. Não é que o frio fosse propriamente um elemento de preocupação, no entanto o vento que se fazia sentir por causa de uma corrente fria vinda da Rússia era motivo suficiente para as pessoas terem tudo menos vontade de estar na rua naquela noite.

Mas eu saí para jantar. e deixei a lareira acesa. Quando cheguei a casa paraísos imensos de conforto me açambarcaram a mente como lembranças de um tempo em que sentia o sol a iluminar-me as entranhas. Parecia ter sido há tanto tempo que deixara as esperanças de felicidade em terra e embarcara para o meu território de auto-comiseração, carpindo mágoas como se elas pudessem somente esvanecer-se em nada assim que eu não estivesse presente.

Porque o lugar é fatalismo. E o sítio em que todas as noites pernoitava era demasiado frio para que lá pudesse continuar. Não tinha o conforto que a mecânica dos dias aqui possui. Não existia a racionalidade para compreender que o mais importante é a simples subsistência e que, sem dinheiro para a inflacção extrema de comuns produtos alimentícios, o ideal é tentar pescar ou conhecer alguém que o faça. em barrow não é difícil. E ao olhar para aquele sofá percebia o porquê de ter saído naquela noite. ao olhar para a lareira, para a mesa com duas revistas de surf, para a apagada televisão pronta a entreter-me em breve com mais um episódio de uma das séries que costumava acompanhar. Para o sofá com as duas almofadas, recheadas de vontade que as aconchegasse com o meu carregado corpo.


O mais importante da casa tranquila? O conforto em saber que não tinha memórias que me transpusessem para os erros passados. ali era eu novamente mas sem dor, sem sofrimento, sem mágoa. em suma, sem amor. e a felicidade que me rasgava os lábios quando pensava que somente eu é que me podia enganar. As presenças que ali podia ter jamais seriam vida com o frio, com a distância, com o mundo que ali era plenamente meu. E mesmo assim fui à pizzaria hoje jantar. Com este tempo frio era o único cliente. E a bela empregada que me atendeu, loira de olhos azuis a sorrir para mim com a proximidade que já havíamos tido, por eu morar tão perto do restaurante. Ela era provavelmente a mulher mais bela de barrow, ou pelo menos era aquela que me parecia aquecer mais o meu gelado coração. E hoje ganhei coragem, depois de tantos dias em peregrinação solitária, de lhe perguntar somente de onde era. a resposta dela foi de tal modo esclarecedora que esbocei um sorriso, despedi-me e vim ter à minha zona de conforto.


E ao perceber que uma expressão tão simples que esclarece tudo, pode ser mote suficiente para esquecer e voltar para casa, dando importância a coisas tão pequenas como minúsculas partículas de conforto. Não era preciso mais nada. Estava eu, eu mesmo, remetido a uma casa onde não posso sonhar nem com a rapariga loira da pizzaria nem com mais nenhuma outra porque finalmente era de gelo. E quebrar-me sozinho era a única concessão que podia fazer a um novo eu, feliz porque conseguia estar ausente do sentir. No cimo da terra já não fazia falta não querer a solidão.

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