domingo, 21 de novembro de 2010

parte sete

 


 Por vezes olhar para aquele sol faz-me eclodir em memórias. algumas doces, outras amargas e mesmo cinzentas. No entanto existe um denominador comum que faz todo o sentido: o sol estava lá para agraciar esse momento. Mesmo que o momento não fosse propriamente sintoma de felicidade, o calor constante da latitude bem mais baixa onde me localizava tornava tudo mais...calmo. Pelo menos era o que assim fazia parecer. Barrow tinha mais sol que lisboa. No entanto era um sol que de tão frio se tornava a contradição em plena forma natural: um sol gelado, sem mácula de irracionalidade, distante de nós.

  Acordei cedo naquele dia. Fui pescar para o lago, levei o meu carro e aquele caminho de minha casa até ao costumeiro local foi feito a ouvir temas quentes a que me habituara desde sempre. Rock mais envolvente sobretudo, peças melódicas que possam dar-nos algum tipo de consolo seja pela tristeza, conformismo, enfim solidão. Ali a solidão era plena mas consciente: e isso era o mais importante. e cada nota emanada um respirar de contentamento por ter conseguido sobreviver. Por mais que ainda pensasse em regressar, em meter-me no primeiro avião para fairbanks e a partir daí ter novamente o mundo por minha conta, sabia que fazer isso era ceder a mim mesmo. E partir para uma liberdade que não merecia. Era recluso de mim próprio ali em cima. E só eu devia carregar com esse fardo.

  Bem sei que com estes inanes relatos dou ares de que barrow é um local, para além de recôndito e inóspito também vazio. Não é. Tem gente, gente sobretudo esquimó que ali arranjou local de subistência. O frio é impedimento sim, mas não é de todo uma impossibilidade. E a comunidade vai estabilizando ali em cima, indiferente aos avanços do mundo, do universo, de nós. E ali mesmo, naquele pequeno núcleo não fechado mas consistente, eu considerava-me uma simples bolha que não queria abrir. Conhecia pessoas? Sem dúvida mas era frio o suficiente para as considerar apenas parte de uma rede de conhecimentos alargada.

  Tudo o que queria era introspecção. E sabia que ali em cima era possível. Mesmo com o calor que por vezes tanto desejava, mesmo com a atracção pela viagem e pelo rumar ao que já me era conhecido, mesmo pelo atraente medo de ver a vida nos olhos, no fundo talvez o grande motivo para ali ter ido. O mais importante era estar ali. Era conduzir neste carro ouvindo aquele tema específico, e pensar nisto tudo. E, ao mesmo tempo, saber-me a compensar tudo aquilo que de errado fiz. Senão queria morrer ao menos que me fosse embora. E num sorriso lancinante deixei a miséria que criara em meu torno e partira.

     E aquele fundo branco com um lago no meio era motivo suficiente para ter vencido. Nem que a vitória me fosse somente entregue por aquilo que não quis fazer.



Trilho sonoro: the promise ring – a picture postcard

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