quinta-feira, 4 de novembro de 2010

parte quatro



Por vezes no meio de toda a insistente confusão em que tantas saídas nocturnas se transformam, existe uma luz que nos aproxima da esperança redentora. as nossas vidas estarão num húmus a descoberto, quando podem ser fertilizadas na hora menos expectante. E é esse momento que pode redefinir toda uma perspectiva em relação ao nosso respirar: ficamos e aguentamos a pressão, saímos de cena e vamos para o frio? Naquela noite a primeira perspectiva era aquela que lhe parecia, que me parecia fazer mais sentido. Ao entrar naquele local recheado de pessoas, de demasiadas pessoas todas iguais umas às outras, com propósitos relativamente similares, ela acabou a iluminar tudo aquilo que não parecia ser lógico. Seu rosto moreno, olhos castanhos de elevada expressão, olhar acutilante e desafiador, pôs-me a sonhar em relativos minutos. E foi com tamanho aconchego de alma que me vejo a aproximar dela num instante e a conseguir desabafar-lhe todos os rebates mentais que tive em milésimos de segundo.

E a luz poisou em mim. Rapidamente só existíamos os dois no globo enquanto ficámos a dançar, compenetrados um no outro. Não era como não houvessem outros pontos de interesse no mundo, simplesmente não existiam mais pontos nenhuns. Tudo era branco, inerte e desinteressante à nossa volta, e isso foi o bastante para perceber que era ali que estava escondido o futuro que durante tanto tempo procurei. Demandas eternas em busca de um graal que reluzia ali à minha frente, a sorrir-me, a desejar ardentemente que dali saíssemos para irmos viver a nossa vida. Foi isso que acabou por acontecer em segundos: todo aquele brilhantismo foi transferido para minha casa, meu quarto, minha cama, numa noite longa de puro prazer em que lhe dei tudo e ela me deu a mim. E o momento mais bonito que me lembro em toda a minha existência foi o acordar daquela manhã com ela a servir-me de todos os propósitos possíveis para ter sonhado tão ardentemente com um dia como este.

Estava frio. Os meus pés não pareciam querer mover-se do manto branco que pisavam dia após dia. Ao longe via as luzes a começarem a surgir, a cidade a acordar novamente de mais uma pequena noite providenciada pelo clima polar que era habitual companheiro de lides. Consegui ainda andar o suficiente naquela matutina madrugada para chegar com sucesso junto do oceano. e pensar novamente nas razões para ter terminado com tudo aquilo que me prendia a outra terra que não aquela. e a luz voltou a criar impacto quando me apercebi que aquela mulher novamente reflectida no oceano podia ter sido minha companheira,mulher, doce esposa, eterna comigo. Porque juntos, mesmo quando deixássmos de respirar, seríamos sempre um só. Se eu não tivesse somente sonhado talvez o branco não fosse a cor predominante. Talvez fossem todas. E, apesar de não existir um desinteresse assim tão acentuado em relação à cor branca, ela não se apresentava tão atractiva como o mundo de todas as cores que vi naquela noite.

Ali estava finalmente só. Tanto tempo depois da viagem, tanto tempo depois de ter criado mundos e fundos para conseguir chegar ao topo do mundo. e tantas longas vidas que pereceram entretanto, sem eu saber. Tantas inovações tecnológicas, placas que gitram o mundo, novos caminhos para a nossa sobrevivência que possam ter sido criados sem eu sequer saber.Talvez ela tenha terminado mais cedo que julgara. Talvez ela esteja algures a ver-me sonhar com aquela noite que talvez nunca tenha acontecido. Talvez ela esteja aqui comigo sentada a ver o oceano reflectir a face mais esplendorosa que já havia visto . E assim o meu sonho tinha ganho contornos reais. Mesmo a milhares quilómetros de distância, os momentos daquela noite continuavam erigidos na branca e desinteressante neve que se tornou a minha vida.


trilhos sonoros:

the cure - just like heaven

aereogramme - i don't need your love

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